Vitor Batelochi's Blog


Enchentes, um fenômeno Político.

Posted in Notícias de mídia por vitorbatelochi em 10 de abril de 2010

Enchentes, um fenômeno político.

Nos últimos dois anos, uma série de distúrbios climáticos vem atingindo grandes cidades brasileiras. Dentre todas as vulnerabilidades das grandes e médias cidades, parece que a incapacidade para lidar com chuvas repentinas é a maior dificuldade em relação à estrutura urbana, ou pelo menos, a dificuldade mais expressiva. Desde a enchente ocorrida em 2008 na cidade de Blumenau (SC), várias outras ocorreram e foram, de norte a sul do país, noticiadas sem exceção na grande mídia. Geralmente imprevisíveis, as fortes chuvas acabam por transbordar rios e interferir na vida cotidiana de muitas pessoas, geralmente em áreas pobres e com poucos recursos.

Nada de novo. Quando noticiado na mídia, esses desastres são sempre comparados a eventos anteriores das mesmas localidades. “Há mais de vinte anos que não chovia xx milímetros num único dia…”‘. Ou seja, elas sempre aconteceram e poderíamos dizer assim, que as enchentes acompanham o próprio processo de formação urbana nacional.

Não há dúvidas que estes eventos são extremamente prejudiciais a muitas pessoas, e portanto, repudiáveis. Porém, pior do que a água que invade casas e desabriga milhares, são as explicações dadas a estes fenômenos. Se alaga é porque choveu muito, certo? Sim, certo, mas também errado. Para alagar é preciso de um lado muita água, chuva mesmo, mas de outro, é preciso uma estrutura urbana extremamente subdesenvolvida e inadequada para lidar com periódicos períodos chuvosos. Quando a quantidade de chuvas é situada historicamente (comparada com estatísticas anteriores), descobrimos que as chuvas de hoje não são mais intensas do que as ocorridas anteriormente. As enchentes revelam assim, um problema relacionado ao modelo de urbanização desenvolvido no país, baseado na centralização de recursos e obras em algumas localidades, e descaso absoluto com outras.

Isso significa dizer que os alagamentos são, antes de um fenômeno climático, uma resultante política. Fico perplexo ao me defrontar com a explicação das autoridades públicas, e até de muita gente “alagada”, sobre a origem destas enchentes. Há vários tipos de explicação, mas todas elas partem da obvia e única constatação: enchente ocorre porque chove muito. Às vezes os excessos de chuvas são resultado da fúria divina, outras vezes estão sintonizadas com alterações climáticas provocadas pelo “mal trato” com o planeta, mas nunca, ou quase nunca, o excesso de chuvas que se transforma em enchente é relacionado à incapacidade e despreocupação governamental para suprir os bairros com uma estrutura de drenagem e escoamento apto as necessidades de cada localidade.

Se é verdade que as chuvas desabrigam de suas residências a cada ano uma quantidade cada vez maior de famílias carentes, é mais verdade ainda que o processo de estruturação urbana hoje destina à ocupação residencial áreas que jamais poderiam servir a essa finalidade. Somente em poucas cidades brasileiras existe um planejamento sistemático (de longo prazo) em relação à ocupação urbana, que situe as necessidades de escoamento fluvial ao lado de outras demandas. Florianópolis, onde vivo, é um exemplo latente da desordem e da ocupação no improviso.

Mas as enchentes não estão presentes somente nas áreas subdesenvolvidas do globo. Cidades européias, japonesas e de outros centros metropolitanos já passaram por experiências dessa ordem. Mas creio que lá, diferentemente daqui, denúncias contra os incontroláveis desejos divinos foram substituídos pela capacidade da gestão pública na edificação de estruturas adaptadas ao regime pluviométrico de cada região e que foram capazes, nas últimas décadas, de canalizar as lágrimas de São Pedro, quando não até utilizá-las para a agricultura e abastecimento para estas mesmas cidades.

Que a crítica apresentada não se confunda ao dócil e domesticado eurocentrismo. Mas que somente possibilite uma nova interpretação. Excesso de chuva é antes de um evento climático, mais um fenômeno político que caracteriza o subdesenvolvimento e sua mentalidade social de indiferença com a situação de milhares de pessoas que neste exato momento sentem a água por debaixo da porta de miseráveis casebres.  E você, o que pensa?

4 Respostas to 'Enchentes, um fenômeno Político.'

Subscribe to comments with RSS ou TrackBack to 'Enchentes, um fenômeno Político.'.

  1. Rodrigo Batelochi said,

    Comentário interessante e bem construído, muito bom! Já estou no aguardo do próximo.

    • Sabugo said,

      e ai bota, qual a comissão para comentario positivo?


  2. Anônimo disse…

    Vitor,

    Adorei ler seu ponto de vista e faço das suas palavras as minhas, se você permitir lógico! E caminho na linha do seu pensar.
    As pessoas não gostam de falar e encarar as verdades sobre política, que vivemos hoje e muito menos lembrar da história política do nosso país, mas como você acredito que somente com relexções de gestões política e política pública podemos entender e possivlmente nos aproximar de mudanças. Isso no processo de urbanização, ocupação e distribuição de terras, acesso a saúde, educação, cultura e mais que isso exercermos o papel real de cidadania!

    Muitos de nós para não dizer todos, se lembramos na coloniazção, fomos criados e educados dentro de um pensar PATRIARCAL, pedindo e esperando do ESTADO: soluções e melhorias, como se ele tivesse o dever de ser de certa forma grande PAI do povo. Isso não vai acontecer!

    Acordo GeNtE, vamos fazer como Vitor e muitas outras pessoas! Pensar, questionar e nos politizar para entender a raiz dos problemas e exigir soluções e acompanha-las.

    Abraço saudosos

    Maysa Bezerra

  3. Pietro said,

    Bom texto piota,

    Resta dizer que a chuva tem um caráter democrático: é quando o morro se encontra com a zona sul à força…

    E mesmo assim as posições conservadores conseguem fazer uma análise inovadora: “vamos cercar os morros com muros para impedir seu avanço e os desabamentos”; “os ricos são os que mais sofrem, já que tem mais a perder”….

    Por uma política pública popular


Deixe um comentário